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ANTONIO CELSO DE DOMINICIS NEVES

 

ADVOGADO

Licenciamento Compulsório de Patentes

Estabelece a Constituição Federal, em seu artigo 5º, que, muito embora resguardado o direito à propriedade, esta deverá atender a sua função social. Em outras palavras, o direito à propriedade estará preservado, desde que seja socialmente útil à produção e manutenção de riquezas, para o desenvolvimento coletivo do país. Neste diapasão, a Lei 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, estabeleceu, nos artigos 68 e seguintes, a possibilidade de licenciamento compulsório de patentes, se verificado, no caso concreto, a utilização do monopólio sem observância desta função social.

Aquele que detém o monopólio de uma patente, e não explorá-lo para a fabricação completa do produto ou processo patenteado, desde que não o faça por força maior ou caso fortuito, corre o risco de perder o seu direito, em favor de um direito melhor, o da coletividade.

Da mesma forma, se a produção desta patente não for suficientemente satisfatória para proteger às necessidades do mercado, o titular também corre o risco de perder o monopólio.

Destarte, uma licença só deve ser concedida para aquele que tenha legitimo interesse em desenvolver economicamente e de forma eficiente o objeto da patente em território brasileiro. Se consegue a patente e não a utiliza, corre o risco de perder a patente para outrem com um melhor direito, mas sem exclusividade.

É certo que a licença compulsória não é automática, pois, necessário o preenchimento de certos requisitos. Só pode ser requerida após 3 (três) anos da concessão da patente, e só será concedida, se o titular da patente em questão não justificar o desuso por razões legítimas, ou não comprovar a realização de sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto da patente, ou ainda se justificar a falta do uso da patente diante de empecimento legal.

A Lei 9.279/96 ainda estabelece uma hipótese de concessão de licença compulsória diante de uma emergência nacional ou interesse público, declarados pelo Poder Executivo Federal, mas, somente se o titular desta patente não atender a essa necessidade. Neste caso, a licença compulsória será por tempo determinado e de forma não exclusiva, e sem prejuízo dos direitos do respectivo titular daquele direito.

A forma com que esta modalidade de licenciamento compulsório se dará, foi regulamentado pelo Decreto nº 3.201/99, que dispõe sobre a concessão, de ofício, de licença compulsória nos casos de emergência nacional e de interesse público. Ocorrerá a hipótese de emergência nacional, somente quando houver iminente perigo público, em qualquer parte do território nacional.

No caso de licenciamento compulsório, caberá à União, ou quem ela contratar, a exploração do objeto da patente, devendo ser observados os princípios da administração pública da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A preocupação do legislador com a necessidade e possibilidade de concessão de Patentes compulsoriamente gerou um atrito entre o Brasil e os Estados Unidos da América, que ingressou na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra esta previsão legal, alegando que o Acordo Trips – Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados – estabelece em seu artigo 31, que quando houver o uso do Titular do Direito, mesmo que seja pelo próprio governo ou por terceiros autorizados por ele, algumas condições devem ser respeitadas, como por exemplo, que a licença compulsória só deverá ser concedida se exaurido todos os meios de obter do titular daquele direito a sua utilização, em um prazo razoável, e, ainda, com a autorização do titular daquele direito.

Em notório exemplo de licenciamento compulsório, recentemente, o governo brasileiro decidiu licenciar compulsoriamente o medicamento Efavirenz, cuja patente pertence ao laboratório Merck Sharp & Dohme. De acordo com o Programa DST/AIDS do Ministério da Saúde, o antiretroviral Efavirenz é o medicamento importado mais utilizado no tratamento da AIDS. Os laboratórios fabricantes desse medicamento utilizaram a lei de propriedade industrial para proteger seu uso, o que ocasionou uma enorme dificuldade de distribuição universal de medicamentos antiretrovirais no Brasil. Foi tentada, sem sucesso, negociações com laboratórios farmacêuticos detentores daquelas patentes, para que distribuíssem medicamentos para os infectados com o vírus da AIDS com custos mais acessíveis. Como a negociação restou infrutífera, foi licenciado compulsoriamente no Brasil, os medicamentos antiretrovirais, diante de um cenário de emergência nacional.

Destarte, a disputa que se vislumbra, tem, de um lado, o direito irrestrito à propriedade, e do outro, a pujança do interesse público. Entendemos que, por certo, a proteção patenteária deve sim prestigiar a pesquisa e a invenção, mas, sem que isso resulte em abuso de direito, ou concorrência desleal.

Antonio Celso De Dominicis Neves – E-mail: celsoneves@gmail.com

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